A ansiedade e o medo são estados emocionais que fazem parte de todos os seres humanos e têm como função aumentar a capacidade de adaptação do organismo ao contexto ambiental, protegendo o indivíduo de sua destruição (morte ou nicho social). Enquanto o medo é uma resposta automática a um objeto, situação ou circunstância específica vista como ameaçadora, e está associado a sensações físicas intensas, como taquicardia, frio na barriga, aperto no peito e tensão; a ansiedade é um estado emocional complexo e muito mais prolongado, associado a previsões negativas ou incertas a respeito do futuro.
Os transtornos de ansiedade constituem o maior grupo de transtornos mentais na maioria das sociedades ocidentais e são uma das principais causas de incapacidade. Apesar de sua importância para a saúde pública, a grande maioria dos transtornos de ansiedade permanece indetectável e não tratada pelos sistemas de saúde, mesmo em países economicamente avançados (Craske MG, Stein MB, Eley TC, et al 2017). Se não forem tratados, esses distúrbios geralmente são crônicos com sintomas apenas oscilando de intensidade ou indo e vindo ao longo do tempo.
O Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) é o transtorno de ansiedade mais clássico e um dos mais comuns visto na prática clínica, ele é crônico e caracterizado por preocupações irreais ou excessivas, os pacientes com TAG têm preocupações diversas: preocupam-se em não serem bons o suficiente, preocupam-se em relação ao dinheiro, em relação à saúde, com os filhos e até mesmo se vão dar conta das tarefas do dia a dia. Esses pacientes engajam-se em ensaios mentais repetidos de possíveis soluções para tentar amenizar a ansiedade sem sucesso. É muito comum, por exemplo, ao deitar, os pacientes serem tomados por um turbilhão de preocupações, no qual um pensamento só desaparece, quando surge outro tão ou mais preocupante que o anterior, até que depois de um tempo, a pessoa capota por exaustão e adormece. Nesses casos, normalmente, o sono não é reparador.
A preocupação crônica, mantém esses pacientes em um estado de apreensão e tensão: é como se esses indivíduos vivessem sempre na presença de uma ameaça ou no limite, e, por isso, é comum eles apresentarem insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração ou sensação de “branco” na mente, tensão e dores muscular, tremores, dificuldade para relaxar, inquietude, fadiga e cefaleia.
Ainda que não faça parte dos critérios diagnósticos, podem estar presentes sintomas de hiperatividade do sistema nervoso autônomo simpático (aquele relacionado com a resposta de luta e fuga), em que diante de uma situação de ameaça, ocorre uma descarga de noradrenalina, causando aumento da frequência cardíaca e respiratória, boca seca, tontura, sintomas gastrointestinais (diarreia ou dificuldade de digestão) e vontade frequente de urinar. No entanto, diferente do que ocorre no ataque de pânico, no qual os sintomas surgem e atingem um ápice em poucos minutos, no TAG eles são mais amenos e constantes.
Além disso, pessoas com TAG geralmente preparam-se excessivamente para atividades de desempenho, suprimem atividades de laser, devido ao medo de não cumprir prazos, fazem verificações mentais e buscam reasseguramento para se certificarem de que tudo vai dar certo.
PREVALÊNCIA E IMPORTÂNCIA
É o transtorno de ansiedade mais comum na prática médica geral, ele tende acometer 3,6% dos homens e 6,6% das mulheres ao longo da vida, é mais comum em pessoas com mais de 24 anos, pois sua frequência aumenta conforme as responsabilidades de vida vão aumentando. Tende a ser crônico, conforme mostrado por Wittchen (2008), que acompanhou jovens com TAG durante 10 anos, e observou que remissões espontâneas são raras, ainda que possa haver períodos de calmaria.
São diversos os fatores de risco para o desenvolvimento do TAG, dentre eles, os principais são: o estresse relacionado ao trabalho; desemprego; separação; perda do cônjuge. (Wittchen H-U et al. Artch Gen Psychiatry 1994;51:355). As alterações neurobiológicas do TAG estão relacionadas a disfunções em neurotransmissores, como GABA, serotonina e noradrenalina.
Estudos que avaliaram a qualidade de vida desses pacientes mostraram estar equivocada a percepção de que este transtorno seja leve, tanto que aproximadamente 40% das pessoas com TAG vivem dependentes da previdência social, 30% nunca foram casados, 10% fazem abuso de álcool ou drogas e em torno de 14% acabam fazendo alguma tentativa de suicídio. Além disso, 3 em cada 5 pacientes afetados por este transtorno apresentam depressão e o TAG é possivelmente está associado a um maior risco de doenças cardiovasculares. Outras doenças relacionadas ao estresse, como cefaleias, fibromialgia ou síndrome do intestino irritável, costumam acompanhar o diagnóstico do transtorno (Cordioli, 2015).
Apesar de tudo isso, apenas um terço dos pacientes com transtornos de ansiedade generalizada procura tratamento psiquiátrico. Muitos vão a clínicos gerais, internistas, cardiologistas, pneumologistas ou gastrenterologistas, procurando tratamento para os sintomas físicos deste transtorno, mas 45% dos casos de TAG , nos serviços de atendimento primário, não são diagnosticados corretamente (Bandelow B et al. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(17):300-9).
QUANDO BUSCAR AUXÍLIO
A ansiedade é uma emoção inata aos Seres Humanos, por isso, o diagnóstico de TAG sempre é uma questão de intensidade. Então, se sua resposta for sim a várias das perguntas abaixo, você deve procurar ajuda profissional:
1. Você tende a se preocupar demais? Sua preocupação é tão intensa que você não consegue relaxar e aproveitar a vida?
2. Você fica ansioso diante de situações ou com coisas que a maioria das pessoas não ficaria?
3. Quando ansioso, você tende a pensar no pior?
4. Quando chega a hora de dormir, sua cabeça é invadida por preocupações?
5. Você precisa de medicação para dormir ou para se acalmar?
6. Você acha que sua ansiedade pode fazer mal para sua saúde?
7. Você tem tido dor de cabeça, diarreia ou dificuldade de digestão, tremores, cansaço ou dor muscular?
8. Você tem se sentido esgotado, como se estivesse no limite?
9. Você evita ou protela atividades porque acha que elas vão lhe deixar ansioso?
10. Sua ansiedade e preocupação estão presentes há vários meses?
11. A ansiedade e preocupação interferem com sua capacidade de concentração?
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Outras condições médicas gerais, como hipertiroidismo, podem apresentar sintomas similares ao TAG, o quadro de ansiedade generalizada deve ser também diferenciado de outras condições psiquiátricas como TDAH (sintomas de inquietude são parecidos em ambas as condições), transtorno bipolar (o pensamento acelerado pode estar presente em ambas condições), assim como do transtorno depressivo (ambos podem apresentar fadiga, dificuldade de concentração e alteração do sono).
TRATAMENTO
O tratamento medicamentoso e psicoterápico produz uma melhora de aproximadamente 60% dos sintomas, provavelmente o resultado é mais significativo ainda quando se associa as duas formas de tratamento. Importante salientar que tratar o TAG vai além dos benefícios diretos da redução dos sintomas de ansiedade e preocupação, previne também o desenvolvimento de depressão, pois, aproximadamente, 4 de cada 5 quadros depressivos evoluem a partir de um quadro de ansiedade. O tratamento dos transtornos de ansiedade também previne o abuso de substâncias.
TRATAMENTO PSICOTERÁPICO: as psicoterapias são formas de tratamento que utilizam a comunicação e o relacionamento sistematizado entre o terapeuta e o paciente com o objetivo de o paciente conseguir identificar, entender e dar sentidos aos seus conflitos, corrigir as distorções nas percepções que faz de si mesmo, do meio que o cerca e do seu futuro, melhorar as relações interpessoais e seus sintomas de uma forma geral. Existem várias formas de psicoterapia, mas a mais efetiva e mais estudada no tratamento do TAG é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
O principal foco da TCC no tratamento do TAG é reduzir a frequência, a intensidade e a duração dos episódios de preocupação o que levaria a diminuição associada dos pensamentos automáticos intrusivos ansiogênicos e dos sintomas da ansiedade generalizada. Esse objetivo será atingido modificando as avaliações e crenças disfuncionais, bem como as estratégias mal-adaptativas de controle responsáveis pela preocupação crônica. O tratamento bem sucedido transformará a preocupação disfuncional usada como estratégia evitativa de enfrentamento patológica em um processo construtivo orientado ao problema, mais controlado, no qual a pessoa ansiosa é mais tolerante ao risco e a incerteza.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO: os ansiolíticos do tipo benzodiazepínicos (Clonazepam, Diazepam, Bromazepam, etc…) que surgiram nos anos 60 foram os primeiros medicamentos que se provaram eficazes no tratamento da ansiedade. Eles têm como vantagem o início rápido de ação (se não melhorar nos primeiros dias, não vai melhorar), melhoram concomitantemente o sono e possuem poucos efeitos adversos perigosos. Por outro lado, eles têm algumas desvantagens significativas que têm sido cada vez mais percebidas, como toxidade para o SNC, gerando sintomas como pseudodepressão, sedação e fadiga, prejuízo no desempenho psicomotor, memória e atenção, agravamento da irritabilidade e potencializam os efeitos do álcool. Ao se interromper estes medicamentos, após uso de longo prazo, é comum aparecer sintomas de abstinência ou de rebote. Além disso, esses medicamentos não têm ação sobre os sintomas depressivos e não tiveram sua eficácia comprovada a longo prazo.
Ao longo dos anos 70, ficou claro que se precisava de um medicamento alternativo aos ansiolíticos benzodiazepínicos. Então, surgiu a Buspirona, uma opção farmacológica que atua em uma parte específica do neurônio serotoninérgico, estimulando os receptores 5HT1A, ela tem como vantagem, comparada com os BZD, a ausência do risco de dependência. No entanto, ela demora mais tempo para agir e assim como aqueles ela não tem efeito antidepressivo. Essa medicação tem sido cada vez menos prescrita porque não se mostrou eficaz em diversos estudos clínicos. Mas, ainda é usada em casos refratários em associação com outras estratégias de tratamento.
Devido às limitações dos tratamentos anteriores, no final da década de 80, surgiu o primeiro estudo comparando o Alprazolam (ansiolítico BZD) com a Imipramina (um dos primeiros antidepressivos, que faz parte da classe dos antidepressivos tricíclicos). Nesse estudo, observou-se que o antidepressivo Imipramina foi mais eficaz para reduzir os sintomas psíquicos da ansiedade, como o pensamento negativo e a irritabilidade, no entanto, não foi tão efetivo quanto o Alprazolam para reduzir os efeitos somáticos da ansiedade. A partir desses dados, o autor comentou que pacientes com sintomas como preocupação crônica, ou com medo de relações interpessoais e com forte tendência a ruminação responderiam melhor ao tratamento antidepressivo (Hoen-Saric R, et al. J Clin Psychiatry. 1988; 49 : 293 a 301).
O problema era que a Imipramina tinha muitos efeitos colaterais somáticos, o que acabava dificultando o uso em pacientes com muitos sintomas físicos. Então, somente após o surgimento de novos antidepressivos em 1987, os chamados antidepressivos inibidores específicos da recaptação da serotonina (antidepressivos ISRS), que são bem mais tolerados, é que os antidepressivos se tornaram os medicamentos mais utilizados no tratamento da ansiedade generalizada. Os antidepressivos duais, como a Venlafaxina e a Duloxetina, também têm eficácia comprovada no TAG, assim como a Agomelatina, um antidepressivo com um sistema misto de ação. Se o paciente não apresenta melhora em até 6 semanas, é improvável que o medicamento vá ser eficaz (Cordioli, 2015), por isso, após esse período, o paciente deve voltar ao psiquiatra para revisar o tratamento inicial.
A Pregabalina medicamento utilizado para tratar a dor crônica e como coadjuvante do tratamento da epilepsia foi recentemente incorporada no arsenal dos tratamentos para ansiedade generalizada. O medicamento tem como vantagem a ausência de efeitos adversos sexuais, mas não possui efeito antidepressivo e pode ser um pouco sedativa para alguns pacientes.
Estudo realizado por pesquisadores Canadenses (2007) para avaliar a eficácia de fitoterápicos, como o Extratos de Centella asiática ou Valeriana mostrou que estes dois extratos aumentaram/intensificaram a gravidade do TAG, quando ingeridos na quantidade de 1mg/mL, enquanto a camomila alemã mostrou algum benefício, quando ingerida na dose de 0,11 a 0,65mg/mL. Tratamentos alternativos (incluindo homeopatia e kawa-kawa) apresentaram os piores resultados dentre todos os tratamentos disponíveis para o TAG, por outro lado, existem algumas evidências iniciais de que a redução diária de cafeína, álcool e nicotina, bem como a prática de meditação (mindfulness), com relaxamento, exercícios físicos e respiratórios (ioga e tai-chi) podem ser benéficas (Cordioli, 2015)
Por fim, deve-se ter em mente que o diagnóstico do TAG é complexo, tendo em vista, que ele compartilha sintomas comuns a outros transtornos mentais e muitas vezes apresenta-se comórbido a outras condições psiquiátricas, e que uma parcela significativa de pacientes não respondem a primeira estratégia de tratamento, por isso, o psiquiatra é o profissional ideal para o diagnóstico e tratamento deste transtorno.
Leonardo Alovisi Martins, Médico Psiquiatra, CRM 27.614, Pós Graduado Pós Graduado em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Passo Fundo – RS, dia 31 de julho de 2018.
E-mail para contato: leonardo@martinspsiquiatria.com.br
REFERÊNCIAS
O Transtorno Obsessivo-Compulsivo, mais conhecido pela
abreviação TOC, é um transtorno comum, afetando aproximadamente 2,5% das
pessoas ao longo da vida, crônico (taxa de remissão espontânea de apenas 20% em
40 anos), que geralmente inicia aos 20 anos de idade, mas pode surgir antes,
caracterizado por sintomas do pensamento (obsessões), do comportamento (rituais
ou compulsões, repetições, evitações, lentidão para realizar tarefas e
indecisão) e sintomas emocionais (medo, desconforto, aflição, ansiedade,
dúvida, culpa e depressão), ele tem alta comorbidade com depressão e
transtornos de ansiedade e, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, o TOC
causou mais incapacidade que a Esclerose Múltipla e a Doença de Parkinson
combinados, não obstante a isso, ele continua sendo subdiagnosticado tanto na
assistência primária como por psiquiatras, a tal ponto que o tempo médio do
início dos sintomas e o início do tratamento farmacológico é de 8 anos. Mesmo
os pacientes que recebem atendimento, apenas 10% recebem um tratamento baseado
em evidências.
DIAGNÓSTICO:
Como a maioria
dos transtornos psiquiátricos, o diagnóstico do TOC é baseado na avaliação
clínica e não em exames laboratoriais ou de imagem. A característica definidora
do transtorno é a presença de obsessões e/ou compulsões que consomem tempo (p.
ex. > 1h por dia), são angustiantes ou prejudicam a função diária e não são
o resultado direto de uma condição médica ou uso de substâncias. Geralmente há
uma relação entre as obsessões e compulsões, por exemplo, um paciente com
obsessões de dúvida, tende a fazer compulsões de verificação, já aquele que tem
obsessões de contaminação, tende a fazer compulsões de lavagem, mas em alguns
indivíduos pode haver apenas obsessões ou apenas compulsões.
Obsessões são pensamentos,
idéias, imagens, palavras, frases, números ou impulsos que invadem a
consciência de forma repetitiva e persistente. Geralmente, elas causam medo, angústia,
culpa ou desprazer, por isso, os pacientes fazem rituais/compulsões ou evitam determinadas
situações para evitar ou amenizar a dor emocional. Os pensamentos obsessivos
caracterizam-se pela intrusividade e pela dificuldade em serem afastados da
mente, mesmo quando considerados absurdos ou ilógicos pelo indivíduo. As obsessões devem ser diferenciadas de
sintomas similares (por exemplo, pensamentos negativos repetitivos, pensamentos
perseverantes) que estão associados a outros transtornos psiquiátricos.
Já as compulsões são comportamentos ou pensamentos repetitivos realizados para tentar amenizar a ansiedade ou o sofrimento associados a obsessões e devem ser diferenciadas de estereotipias e hábitos.
AS PRINCIPAIS OBSESSÕES E SUAS CORRESPONDENTES COMPULSÕES
1 –
Preocupações com sujeira, contaminação e doenças: é o tipo mais comum de obsessão.
É caracterizada por pensamentos ou imagens de estar sujo ou contaminado ou por
medo de contrair doenças, se cumprimentar ou tocar em determinado objeto ou
pessoa. Este tipo de obsessão está associado a compulsões de limpeza ou lavagem
e a comportamentos de evitação, como não usar banheiros públicos.
2 - Obsessões de
conteúdo sexual ou violento – são os chamados “pensamentos horríveis”: é o
segundo tipo mais comum de obsessão. Pode envolver cenas ou imagens de conteúdo
sexual bizarro, como ter uma relação sexual com um irmão, pai, tio, ou podem
ser pensamentos ou imagens de estar agredindo alguém ou torturando alguém. Esse
tipo de obsessão geralmente é associado à compulsão mental de tentar afastar o
pensamento ou de dizer a si mesmo que não é capaz de cometer tal maldade,
dizendo para si mesmo que não é um pedófilo ou uma pessoa violenta, também é comum
que a pessoa evite a situação relacionada com a obsessão, por exemplo, não
ficando sozinha com o filho por medo de molestá-lo.
3 – Medo de causar
um dano: a pessoa é assolada por pensamentos ou imagens intrusivos de que vai
derrubar o bebê que está segurando ou que atropelou um pedestre quando
dirigindo. Esse tipo de obsessão geralmente está associado a compulsões de
checagem, por exemplo, o motorista pode voltar ao local onde teve a obsessão
para checar se de fato não atropelou ninguém.
4 - Dúvidas patológicas,
medo de falhar: a pessoa experimenta ansiedade devido a dúvidas patológicas,
como se trancou ou não a porta de casa, se desligou ou não o gás, apesar de recém
ter feito isso. Devido a esses pensamentos, a pessoa acaba se engajando em
comportamentos de verificações para tentar se tranquilizar. Quando o sofrimento
associado à dúvida é muito grande, alguns portadores do TOC simplesmente se
esquivam de situações de responsabilidade, evitando, por exemplo, sair por último
do local do trabalho, não sendo assim responsáveis por desligar os equipamentos
ou trancar as portas.
5 – Necessidade de
simetria e precisão de ordem: a pessoa experimenta intensa ansiedade ao ver
objetos desalinhados, especialmente, quando acompanhada de crenças mágicas,
tais como acreditar que se um determinado objeto estiver fora do lugar, algo de
ruim pode lhe acontecer ou acontecer com alguém que ama. Por isso, as pessoas
que sofrem desse tipo de obsessão não permitem que outras pessoas organizem ou
toquem nas suas coisas.
5 – Obsessões de conteúdo mágico: muito parecido com uma pessoa supersticiosa, caracterizada por crenças sem base na razão ou no conhecimento que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas. Por exemplo, a pessoa pode acreditar se sair de casa no dia 13, algo de ruim vai acontecer com ela ou com os seus familiares. Outro exemplo desse tipo de obsessão é o pensamento de que irá morrer, se for num cemitério. Ou seja, as obsessões de conteúdo mágico caracterizam-se pelo temor que algo aconteça baseado numa superstição popular levada ao extremo ou alguma similaridade do objeto ou situação com o pensamento que gera medo (roupa vermelha possui a mesma cor do sangue/ cemitério é um local relacionado com estar morto). A principal manifestação comportamental desse tipo de obsessão é a evitação ou comportamentos supersticiosos.
VARIAÇÕES
DO QUADRO CLÍNICO
Geralmente os indivíduos acometidos pelo TOC tem bom insight, ou seja, eles reconhecem que seus medos são exagerados ou não lógicos, mas alguns indivíduos podem pensar que suas crenças do transtorno obsessivo-compulsivo são provavelmente verdadeiras ou estarem completamente convencido da veracidade das mesmas. É importante investigar também se a pessoa apresenta ou apresentou transtorno de tique (doença neurológica caracterizada por movimentos ou sons súbitos, rápidos, recorrentes, desprovido de propósitos que ocorrem em resposta à sensação subjetiva de desconforto), porque existem evidências de que os indivíduos que sofrem de TOC com tiques possuem uma arquitetura genética e uma resposta diferente ao tratamento do que aqueles que apresentam TOC sem tiques.
TRATAMENTO
A farmacoterapia e a Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC) baseada na técnica de exposição e prevenção de
resposta são consideradas os tratamentos de primeira linha para o TOC
(Cordioli, 2015). Os medicamentos que demonstraram eficácia terapêutica no TOC
em monoterapia são os antidepressivos serotoninérgicos: a clomipramina e os
antidepressivos inibidores específicos da recaptação da serotonina
(ISRSs). A maioria dos pacientes vai ter
ao menos um alívio dos sintomas com uma dessas duas intervenções e 40% dos
pacientes podem melhorar completamente com o tratamento. Dado a eficácia
comprovada da TCC e dos antidepressivos ISRSs no tratamento do TOC, eles
geralmente são utilizadas em combinação na prática clínica (Matthew, 2017).
As diretrizes da Associação Americana
de Psiquiatria (2007), revisado por Koran & Simpson em 2013, sugerem como
primeira linha de tratamento a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), caso não
aja resposta adequada após 13 a 20 sessões de TCC, iniciar tratamento com
antidepressivo inibidor seletivo da recaptação da serotonina, se ainda não
houver redução significativa dos sintomas, outras estratégias devem ser
tentadas, como o antidepressivo Clomipramina ou a potencialização do
antidepressivo com um medicamento antipsicótico atípico.
Há ainda várias estratégias promissoras
de potencialização do tratamento farmacológico para os TOC resistente ao
tratamento habitual, como a N-Acetilcisteína, a Memantina e o Celecoxibe, no
entanto, é necessário ter alguma cautela em relação a estes medicamentos, tendo
em vista que os estudos realizados com estes fármacos são pequenos e não foram
ainda replicados em grandes populações.
REFERÊNCIAS:
- American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders, Fifth Edition. Arlington,
VA, American Psychiatric Association, 2013.
- Clark D, Beck A.
Terapia Cognitiva para os Transtornos de Ansiedade. Porto Alegre : Artmed,
2012.
- Cordioli A,
Gallois C, Isolan L. PSICOFÁRMACOS CONSULTA RÁPIDA. 5° Edição – Porto Alegre:
Artmed, 2015.
- Cordioli A.
VENCENDO O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO. 2° Edição – Porto Alegre: Artmed, 2008.
- World Health Organization (WHO). The Global Burden of Disease: 2004
Update. Geneva, Switzerland:World
Health Organization; 2008.
-
Richter M, Clinical Correlates of Treatment Outcome in
OCD – 2015 APA Annual Meeting on Demand.
American Psychiatric Association, 2015.
-
Torres AR, Prince MJ, Bebbington PE, et al. Treatment
seeking by individuals with obsessive-compulsive disorder from the British
Psychiatric Morbidity Survey of 2000. Psychiatr Serv. 2007;58(7):977-982.
- Hirschtritt ME, Bloch MH, Mathews CA. Obsessive-Compulsive Disorder: Advances in Diagnosis and Treatment. JAMA.
2017, Apr 4;317(13): 1358-1367.
Autor:
Leonardo Alovisi Martins, médico psiquiatra, CRM 27614 - RS, Pós
Graduado em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Passo Fundo – RS, dia 14 de julho de 2018.
E-mail para contato: leonardo@martinspsiquiatria.com.br
Bruna, de 18 anos, recém passou no vestibular de medicina, mas inexplicavelmente não está se sentindo feliz, apesar de ter se esforçado muito para isso, sente-se estranha e como se nada fizesse sentido. Leandro, de 22 anos, sempre foi um bom aluno, mas no último semestre de engenharia, não tem conseguido manter seu desempenho, queixa-se de dificuldade para se concentrar e raciocinar, sua namorada comenta que ele está mais vago e indeciso. Roberta de 30 anos, mãe de duas filhas, está preocupando seus familiares, porque ela parece fria com sua filha mais nova e passa a maior parte do tempo dormindo. Essas são histórias fictícias, mas poderia ser a sua história.
A depressão é uma doença geralmente crônica e recorrente, caracterizada por sintomas afetivos como tristeza, desânimo, perda da capacidade de sentir prazer e sentimentos de culpa; por sintomas cognitivos, como dificuldade de manter a concentração, esquecimentos, lentificação do raciocínio, dificuldade para executar tarefas, pessimismo e viés interpretativo negativo; por sintomas neurovegetativas, como o sono, energia e apetite; e sintomas comportamentais como protelação das atividades, isolamento e choro fácil. Os pacientes deprimidos apresentam limitações de suas atividades e comprometimento do bem estar. Em 2010, o custo, nos EUA, por ausência no trabalho foi de 23 bilhões de dólares, e o custo por diminuição de rendimento no trabalho chegou a incríveis 78 bilhões de dólares (Greenberg PE, 2015). Em mulheres, a depressão pode ter impacto negativo no desenvolvimento dos filhos e na dinâmica familiar. Em um grande estudo, realizado por Pilowsky DJ et al, constatou que o tratamento da depressão maior em mães até a remissão foi associado à diminuição de sintomas psiquiátricos e melhora funcional nos filhos. Ainda assim, a depressão segue sendo subdiagnosticada, ou quando diagnosticada, os pacientes que estão sofrendo desta condição não recebem tratamentos suficientemente adequados e específicos.
No Velho Testamento, a história do rei Saul descreve uma síndrome depressiva, assim como a história do suicídio de Ajax na Ilíada, de Homero. Por volta de 400 a.C., Hipócrates usou os termos mania e melancolia para descrever distúrbios mentais. Em torno de 30 d.C., o médico romano Celsus, em sua obra De re medicina, descreveu melancolia (do grego melan [“negra”] e chole [“bile”]) como uma depressão causada pela bile negra. O primeiro texto de língua inglesa inteiramente relacionado à depressão foi Anatomia da melancolia, de Robert Burton, publicado em 1621 (KAPLAN & SADOCK’S, 2014).
Ainda que a depressão tenha sido reconhecida até mesmo antes de cristo, conforme mencionado acima, é inegável que sua incidência esteja aumentando, para o psicólogo Jean Twenge o aumento da depressão nos últimos 50 anos decorre do aumento do individualismo e a uma perda da conectividade social. No século XIX, quase ninguém vivia sozinho, no entanto, hoje, cerca de 30% dos lares são formados por uma pessoa. Mudanças constantes no mundo da moda podem fazer você se sentir como se estivesse perdendo algo, um fluxo contínuo de más notícias na televisão pode escurecer sua visão da vida, e o declínio na fé pode lhe proporcionar uma postura cínica e o aumento das expectativas extremamente altas aumenta a vulnerabilidade a depressão e a ansiedade (VENÇA A DEPRESSÃO. LEAHY, 2015). Mais recentemente tivemos o efeito das mídias sociais, estas parecem afetar nossos índices de bem estar e aumentar sintomas depressivos, conforme verificado por um ensaio clínico feito na Dinamarca com 1095 pessoas, os pesquisadores observaram que as pessoas que ficaram sem se conectar no FACEBOOK sentiram-se mais feliz, menos sozinha, com menos dificuldade de concentração e mais útil. Tudo isso em apenas uma semana off-line, os sintomas de disforia causado pelas mídias sociais, provavelmente, decorram do efeito de comparação social, ao invés de focarmos no que precisamos, nós temos a infeliz tendência de focar no que as outras pessoas têm.
A depressão é o transtorno psiquiátrico mais prevalente no Brasil, assim como na maioria dos países ocidental. Um estudo multicêntrico mostrou prevalência de 5,8% em um ano, e 12,6% ao longo da vida. A depressão pode começar em qualquer idade, no entanto, o mais comum é que o primeiro episódio depressivo ocorra entre 20 e 30 anos de idade.
Seu curso é crônico e recorrente. O risco de recorrência aumenta com o número de episódios, é cerca de 50% para quem tem um episódio, sobe para 75% para quem teve dois episódios, após o terceiro episódio o risco de ter um novo episódio é de 90% (Caldieraro MAK, et al, 2013). Um episódio dura, em média, 16 a 20 semanas, e 12% dos pacientes tem um curso crônico sem remissão dos sintomas.
Cerca de 10 a 20% dos pacientes com depressão tem o seu diagnóstico modificado para transtorno bipolar ao longo do tempo devido à presença de um episódio maníaco, o não reconhecimento deste pode levar equívocos no tratamento, agravamento da doença e risco aumentado de suicídio. O risco de transtorno bipolar é maior em pacientes com história familiar de transtorno bipolar e inicio da doença antes dos 25 anos e/ou em pacientes com sintomas atípicos de depressão como aumento da necessidade de sono, sonolência diurna, dificuldade de acordar pela manhã e lentificação psicomotora.
A depressão é uma doença multifatorial, causada pela soma ou interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e de estilo de vida. A hereditariedade tem uma importância de 30 a 40% no desencadeamento do primeiro episódio depressivo e de 66% nas pessoas que apresentam múltiplos episódios depressivos (Strakowski, 2016).
O estresse ambiental parece ter um papel chave no processo de desencadeamento da doença, ainda que nosso corpo seja organizado com o propósito de enfrentar o estresse, sendo até mesmo necessária certa quantidade de “dose de estresse” sobre músculos, ossos e o cérebro para seu crescimento e funcionamento ideal; determinados tipos de estresse, especialmente no início da vida, como perda de um dos pais ou mais cuidados parentais, podem alterar nossos circuitos cerebrais deixando-nos vulneráveis a estressores no futuro. De acordo com esse modelo, pessoas com uma carga genética muito alta para depressão, desenvolvem doença com uma carga de estresse baixa, enquanto pessoas com uma carga genética baixa, só desenvolvem depressão diante de uma carga de estressa alta.
Fatores psicológicos como a afetividade negativa (tendência a interpretar as situações como ameaçadoras, e frustrações menores de maneira catastrófica, associada a características de perfeccionismo e timidez), presença de um transtorno de ansiedade ou de personalidade estão associados a uma predisposição maior a depressão. Fatores sociais como isolamento, problemas financeiros e fatores no estilo de vida, como alimentação não saudável, consumo de álcool e cigarros, sedentarismo, também estão envolvidos no complexo processo de adoecimento.
A nível molecular parece que a depressão esta correlacionada como uma disfunção no sistema de neurotransmissão noradrenérgico, serotoninérgico e dopaminérgico que alteram a regulação gênica responsável pela síntese do fator neurotrófico derivado do cérebro que mantém a viabilidade dos neurônios cerebrais.
Se por um lado o tratamento dos transtornos de humor desenvolveu-se muito a partir de 1958, quando foi comprovado o componente biológico dos transtornos mentais e sintetizado o primeiro antidepressivo, por outro lado, o surgimento de novos antidepressivos acabou negligenciando os outros aspectos do transtorno, como a vulnerabilidade psicológica, os aspectos sociais e o estilo de vida.
A formulação personalizada de cada caso é muito importante nas decisões de tratamento. Nesse sentido, é importante a avaliação de transtorno de humor na família, o estilo de vida da pessoa, a presença de hábitos não saudáveis, as relações familiares, sociais e ocupacionais. Deve-se avaliar o funcionamento cognitivo e o estilo cognitivo pré-mórbido, a capacidade de introspecção e identificar possíveis fatores desencadeantes e mantenedores do transtorno. Assim, será possível disponibilizar ao paciente um tratamento abrangente e que faça sentido.
- American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition. Arlington, VA, American Psychiatric Association, 2013.
- Caldieraro MAK, et al. Depressão. Em: Programa de Atualização em Psiquiatria. Artmed/Panamericana Editora Ltda. PROPSIQ, Porto Alegre, Ciclo 3, Volume 1, 2013.
- Cordioli A. PSICOFÁRMACOS CONSULTA RÁPIDA. 5° Edição – Porto Alegre: Artmed, 2015.
- John F. Michelle B. Melvin G. Treatment Resistant Depression. A Roadmap for Effective Care. American Psychiatric Publishing, Iinc. Washington, DC. 2011.
- Kapezinski F. Quevedo J. Izquierdo I. Bases biológicas dos transtornos psiquiátricos. Terceira edição. Porto Alegre – RS: Artmed; 2.011.
- Leahy RL. VENÇA A DEPRESSÃO, antes que ela vença você. Porto Alegre: Artmed, 2015.
- Pilowsky DJ et al. Children of depressed mothers 1 year after de initiation of maternal treatment: findings from the STAR*D-Child Study. Am J Psychiatratry. 2008 Sep: 165(9): 1163-47.
- Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists clinical practice guidelines for mood disorders, Australian & New Zealand Journal of Psychiatry, 2015, Vol. 49(12) 1087–1206.
- Ruiz P, Sadock BJ, Sadock VA. Kaplan, Sadock's. Synopsis of Psychiatry. 11ª ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 2014.
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- The Facebook Experiment, The Happiness Research Institute, 2015. Disponível em http://www.happinessresearchinstitute.com/about-us/4579836744
- Tolman A. Depressão em adultos. As mais recentes estratégias de avaliação e tratamento. 3ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2009.
- Twenge MJ. Birth Cohort, Social Change, and Personality: The interplay of Dysphoria and Individualism in the 20th Century. Advances in Personality Science. Ed. Daniel Cervone and Walter Mischel. New York: Guildford, 2002.
Leonardo Alovisi Martins, Médico Psiquiatra, CRM 27.614 – RS, Especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Passo Fundo – RS, dia 10 de dezembro de 2016.
O alcoolismo, compreendido cientificamente como
transtorno por uso de álcool ou síndrome de dependência ao álcool, é sem dúvida
um grave problema de saúde pública, tanto que dos 2 bilhões de usuários de bebida alcoólica ao
redor do mundo, mais de 75 milhões apresentaram o
transtorno nos últimos 12 meses. No Brasil, aproximadamente 10 milhões de
pessoas sofrem de alcoolismo. E apesar de o consumo de álcool na adolescência
poder causar danos irreversíveis à cognição e à aprendizagem, o consumo de
álcool tem iniciado cada vez mais cedo, em 50% dos casos, a primeira dose é
consumida em casa, com a conivência dos pais, e de acordo com uma pesquisa da feita
pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 80% dos adolescentes
brasileiros já beberam alguma vez na vida e 33% dos alunos do Ensino Médio
bebem em excesso pelo menos uma vez por mês.
“Beber começa como um ato de vontade, caminha
para um hábito e finalmente afunda na necessidade” – famosa frase, cunhada pelo
psiquiatra americano Benjamin Rush (1945-1813), que retrata os estágios do uso
do álcool para algumas pessoas, que diferentemente da maioria, irão desenvolver
uma relação problemática com a bebida alcoólica.
Ingestão de álcool frequente em grandes
quantidades ou por um período maior que o pretendido, desejo persistente ou
esforços malsucedidos para reduzir ou controlar o uso de álcool, uso continuado
de álcool, apesar de apresentar problemas sociais ou interpessoais recorrentes
causados ou exacerbados pelos efeitos do álcool, continuar ingerindo álcool,
apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente que
é provável ter sido causado ou se exacerbado pelo álcool, sinais de tolerância (necessidade
de quantidades maiores de álcool para causar intoxicação ou o efeito desejado
ou efeito marcadamente diminuído com o uso contínuo da
mesma quantidade de álcool) e manifestação de sintomas de abstinência (tremor
nas mãos, sudorese, ansiedade, agitação psicomotora, insônia, náuseas ou
vômitos) são algumas das características do transtorno por uso de álcool que é
uma patologia de caráter crônico, que afeta toda a família, passível de muitas recaída
e responsável por inúmeros prejuízos financeiros, profissionais e para a saúde,
como cirrose, pancreatite, cardiomiopatia, demência e câncer. Além disso, o uso
de álcool é com frequência associado a situações de violência e acidentes de
trânsito.
Um desafio no tratamento do alcoolismo é que os
pacientes geralmente negam esta condição minimizando o consumo e as
consequências relacionadas ao uso de bebidas alcóolicas ou justificando porque
bebem, e até pouco tempo, a internação em hospital psiquiátrico e grupos de
mútua ajuda eram as únicas alternativas terapêuticas, mas graças ao
aprimoramento das psicoterapias, associado ao surgimento de novos fármacos, a
redução do caráter moral na compreensão do alcoolismo e o incentivo da
participação da família no processo de tratamento, muitos pacientes têm sido
tratados com êxito em ambientes ambulatoriais.
A psicoterapia tem um papel importante no
tratamento do alcoolismo, técnicas de entrevista motivacional utilizam a
empatia, a reflexão e a avaliação dos prós e contras do uso da substância para
ajudar o paciente a manter-se motivada para a mudança. O terapeuta pode usar
também técnicas baseadas no manejo de contingência, na qual é utilizado
estratégias de recompensa para premiar o comportamento de mudança. Já as
técnicas cognitivas comportamentais são importantes para modificar os
pensamentos e crenças distorcidas em relação ao uso da substância e para
melhorar as habilidades interpessoais, como saber dizer não e diminuir a
ansiedade em ambientes sociais. Os medicamentos podem serem usados naqueles
pacientes que apresentam um quadro moderado a grave que apresentarem o uso
atual pesado e risco permanente para as consequências do uso (pacientes com
problema hepático, por exemplo), que estejam motivados, que prefiram
medicamento isoladamente ou em conjunto com intervenção psicossocial e que não
tenham contraindicações para o uso de fármacos, outra indicação para uso de
medicamentos é a presença de uma comorbidade como o Transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade.
Pra finalizar, vou deixar três dicas:
1° Prevenir - Os pais devem conversar com os
filhos visando protelar ao máximo o início da ingestão de bebidas alcoólicas.
2° Informar-se – o familiar deve tomar o
primeiro passo, caso o paciente esteja negando seu problema, buscando auxílio
em grupos de ajuda mútua ou se informando com um profissional de saúde.
3° Agir – Lembrar as pessoas com problemas por
uso de álcool de que tratar-se é um ato de coragem e sabedoria, não de
vergonha.
Leonardo
Alovisi Martins, médico psiquiatra, CRM 27614 – RS.
Passo
Fundo – RS, dia 11 de fevereiro 2017.
REFERÊNCIAS
1.
American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-5. 5° ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
2.
Cordioli A, Gallois C, Isolan L. Psicofármacos consulta rápida. 5° ed. Porto
Alegre: Artmed; 2015.
3.
Diehl A, Cordeiro D, Laranjeira R. Dependência química: prevenção, tratamento e
políticas públicas. Porto Alegre: Artmed; 2011.
4.
De Mello M, De Mello A, Kohn R. Epidemiologia da saúde mental no Brasil. Porto
Alegre: Artmed; 2007.
5. World Health
Organization. Policy recomendations for smoking cessation and treatment of
tobacco dependence. Geneva
World Health Organization; 2003.
Personalidade
é definida como um padrão de percepção, relação e pensamento sobre o ambiente e
si mesmo1, quando este padrão é mal-adaptativo e
relativamente inflexível, associado a uma incapacidade do indivíduo de modificar
seu pensamento ou comportamento, mesmo diante de evidências de que sua
abordagem não está funcionando e prejudicando seus objetivos e metas de vida,
configura-se um transtorno da personalidade.
Existem
10 Transtornos específicos da personalidade, que descrevem diferentes padrões
de comportamentos, cognição, afetividade e funcionamento interpessoal. O transtorno
da personalidade borderline (TPB) é um destes transtornos, ele é caracterizado
por um padrão global e generalizado de instabilidade da autoimagem, dos
objetivos pessoais, das relações interpessoais e dos afetos, acompanhado por
impulsividade, exposição a riscos e/ou hostilidade. As dificuldades
características são aparentes na identidade, no autodirecionamento, na empatia
e/ou na intimidade, é mais comum em mulheres (75%), e as primeiras
manifestações ocorrem na adolescência, mas o diagnóstico só pode ser feito a
partir dos 18 anos.
CARACTERÍSTICAS:
A
principal característica do transtorno de personalidade borderline é a
desregulação emocional2; estes indivíduos apresentam uma combinação
de um sistema de resposta emocional hipersensível e hiper-reativo e uma
incapacidade de modular as emoções fortes resultantes e as ações associadas a
ela. Eles apresentam ansiedade e medo intenso de serem abandonados nos
relacionamentos íntimos que geram ciúme descontrolado (brigas homéricas com os
parceiros ocorrem por pura paranoia) ou raiva inadequada diante de uma
separação de curto prazo realística ou quando ocorrem mudanças inevitáveis de
planos (p. ex., fúria quando alguém importante para eles se atrasa alguns
minutos ou precisa cancelar um compromisso). Os esforços desesperados para
evitar o abandono podem incluir ações impulsivas como automutilação ou
comportamentos suicidas. É comum serem perturbados por um misto de raiva
crônica e um vazio indescritível. Podem demonstrar sarcasmo extremo, amargura
persistente ou ter explosões verbais. Tais expressões de raiva costumam ser
seguidas de vergonha e culpa, contribuindo para o sentimento de ser mau, incapaz
e sem solução.
Em
alguns momentos, as emoções são tão intensas que os indivíduos que sofrem desta
condição recorrem a comportamentos impulsivos como ingerir altas doses de medicamento
ou se cortar para obter algum alívio. Além disso, eles têm uma dificuldade
maior que os outros indivíduos para agir de forma diferente ao que estão
sentindo, por isso, abandonam projetos importantes, como empregos e relações,
quando desmotivados, e tem dificuldade de se conter quando alegres.
A
imprevisibilidade afetiva devido à desregulação emocional leva ao comportamento
imprevisível e a inconsistência cognitiva, e, consequentemente, interfere no
desenvolvimento de um autoconceito ou senso de identidade estável. A tendência
em inibir ou tentar inibir respostas emocionais também pode contribuir para a
ausência de um sentido forte de identidade. O sentimento de que sua percepção
dos fatos não está correta ou de que não conseguirá prever quando está correta,
leva a pessoa a desenvolver uma dependência excessiva dos outros.
A
falta de um senso próprio estável e de capacidade para expressão emocional
espontânea, associado à propensão de se sentirem menosprezados ou insultados,
gera disfunção marcante nas relações interpessoais, tanto que padrão de
relacionamentos instável e intenso é um dos critérios diagnósticos do TPB.
Podem idealizar cuidadores ou companheiros potenciais em um primeiro ou segundo
encontro, exigir ficar muito tempo juntos e partilhar os detalhes pessoais mais
íntimos logo no início de um relacionamento. Entretanto, podem mudar
rapidamente da idealização à desvalorização, sentindo que a outra pessoa não se
importa o suficiente, não dá o suficiente e não está “presente” o suficiente.
Por
fim, sintomas cognitivos, como passar a pensar que estão conspirando contra si
ou querendo lhe prejudicar, devido à ativação de suposições paranoides (crença
de que os outros não merecem confiança e são maldosos), e sintomas
dissociativos e conversivos, como incapacidade de recordar de eventos, sensação
de ser estranho a si mesmo, parecer uma criança e pseudoconvulsões, são comuns
durante períodos de estresse.
HIPÓTESE
CONCEITUAL DO TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE
O
TPB é principalmente um transtorno do sistema de regulação emocional3. A tese da Dra, Marsha Lienhan é de que os
indivíduos borderline são emocionalmente vulneráveis, além de deficientes em
habilidades de modulação emocional, e que essas dificuldades têm suas raízes em
predisposições biológicas, que são exacerbadas por um ambiente invalidante que
tende a negar, punir ou responder erroneamente a reações emocionais válidas da
criança, e inadvertidamente tendem a reforçar o descontrole emocional e o
comportamento impulsivo, ao dar o que a pessoa quer somente quando ela aumenta
a expressão emocional, contribuindo para os problemas que os pacientes
borderline têm para regular, compreender e tolerar suas reações emocionais.
DIAGNÓSTICO
DIFERENCIAL
O
principal diagnóstico diferencial é com o transtorno bipolar tipo II, é muito
mais comum que pacientes que sofrem de TPB sejam diagnosticados como bipolares
do que o contrário.
TRATAMENTO
O tratamento desses pacientes tem
sido um desafio para a psiquiatria; Freud, em 1918, justificou uma modificação
da sua técnica psicanalítica no tratamento do “homem dos lobos” (paciente que
fora classificado como borderline por BLUM (1980) e ABRAHANSON (1980) dada à
estreita fronteira com a psicose que ele se movimentara durante o tratamento
com Freud) quando estabeleceu um limite arbitrário para o término da análise
para enfrentar as resistências desse paciente. Alfred Stern em 1938 publicou um
artigo, agora clássico, que revela a dificuldade em tratar esses pacientes; o
artigo iniciava com a seguinte descrição:
“Já é bem conhecido que um grande número de pacientes não se
enquadra nem dentro do grupo dos psicóticos, nem dos neuróticos, e com este
grupo de pacientes borderline é extremamente difícil de lidar por qualquer
método terapêutico conhecido”.
De fato,
pacientes que sofrem de TPB tendem a apresentar péssima resposta ao tratamento,
tendo já passado por vários terapeutas e psiquiátricas, em parte por causa das características
do transtorno, mas também pelas limitações da maioria dos tratamentos
disponíveis, de um modo geral, parecia que ninguém sabia muito bem o que fazer
a respeito, até a Dra. Marsha Linehan desenvolver a Terapia Comportamental
Dialética (BDT) que utiliza estratégias cognitivo-comportamentais para atingir
a mudança, balanceada com estratégias de validação e aceitação, e intenso
treinamento de habilidades.
Ainda que a psicoterapia
comportamental-dialética seja a principal forma de tratamento desse transtorno,
é muito interessante o acompanhamento de um psiquiatra, pois os medicamentos
podem ser úteis, especialmente, para reduzir a agressividade, impulsividade e
os sintomas paranoides.
Leonardo
Alovisi Martins, médico psiquiatra, CRM 27614.
Leonardo
possui graduação em Medicina pela Universidade de Passo Fundo (2002), pós-graduação
em psiquiatria pelo Instituto Abuchaim de Porto Alegre (2007), título de
especialista em psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria (2007),
formação em Terapias Cognitivo-Comportamentais pelo Instituto da Família de
Porto Alegre (2009) e aperfeiçoamento em Terapia Comportamental Dialética pelo
The Linehan Institute/Behavioral Tech (2016) e faz parte do Núcleo DBTPF junto
com as psicólogas Ana Carolina Fortes, Marindia Brandtner e Natália Zancan com
o objetivo de oferecer o melhor tratamento disponível para este grupo de
pacientes.
REFERÊNCIAS
1.
American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-5. 5° ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
2.Linehan
M. Terapia Cognitivo-Comportamental para Transtorno da Personalidade
Borderline. Porto Alegre: Artmed; 2010.
3.
Beck A, Freeman A, Davis D. Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade.
. 2° ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
Passo
Fundo – RS, dia 26 de fevereiro de 2017.
Os
colegas de John Forbes Nash, gênio matemático americano, ganhador do Prêmio
Nobel de Economia, lembram que, em 1959, ele entrou um dia numa sala no MIT e
comentou que a matéria de capa do jornal New
York Times continha mensagens criptografadas de habitantes de outras
galáxias, que somente ele poderia decifrar. As três décadas seguintes, Nash
passou entrando e saindo de hospitais psiquiátricos. Fora do hospital, era
descrito como um “fantasma triste” que assombrava os corredores de Princeton,
com roupas esquisitas, murmurando para si mesmo, escrevendo mensagens
misteriosas nos quadros-negros, ano após ano4.
Essa
passagem da vida de Nash captada pelo pesquisador Michael Green (2003) é um
exemplo perfeito dos sintomas mentais positivos da esquizofrenia, que são
realces da experiência normal, e incluem alucinações (ouvia vozes), delírios
(acreditava que a matéria do New York
Times continha códigos especiais enviados para ele), comportamento bizarro
(andava desarrumado e agia de forma inadequada) e fala desorganizada (sua fala
era difícil de compreender)1. Menos conhecidos que os sintomas
positivos são os sintomas negativos, que representam perdas relativas à
experiência normal, como diminuição da expressividade afetiva (embotamento
afetivo) caracterizada pela
aparência imóvel e sem resposta da face da pessoa, diminuição do contato ocular
e reduzida expressão corporal, da expressividade verbal (alogia) caracterizada
por respostas breves ou sem conteúdo, e pouco envolvimento em atividades
construtivas (avolição), um paciente que sofre de esquizofrenia pode sentar-se
por longos períodos de tempo e demonstrar pouco interesse em participar em
trabalhos ou atividades sociais. Os sintomas mentais negativos chamam menos
atenção, todavia, eles estão associados a um pior prognóstico e são um desafio
ao tratamento da esquizofrenia.
O
fantástico filme Uma mente brilhante (2001) estrelado pelo ator australiano Russell
Crowe, no papel do matemático John Nash, e dirigido por Ron Howard, descreve o
quadro devastador da esquizofrenia, a importância do uso do raciocínio lógico
no combate dos sintomas e o papel fundamental da família no controle da doença.
Após anos de sintomatologia intensa, desorganização do comportamento, caos familiar
e afastamento do trabalho, Nash percebeu que a menina que via e ouvia nunca
envelhecia, então se convenceu de que ela era um produto da sua mente, a partir
daí passou a aceitar que sofria de uma doença mental e que precisava de
auxílio, a esposa de Nash informou-se sobre a doença e participou ativamente na
recuperação do matemático, incentivando-o a reconstruir a sua vida e fornecendo
compreensão e esperança em momentos de recaída, o que foi tão fundamental em
sua recuperação que ao receber o Prêmio Nobel em 1994, em seu discurso, Nash
comentou que:
“É somente nas misteriosas equações do amor, que
alguma lógica real pode ser encontrada”.
Referências
1. Beck, A., T. Rector,
N., A. Stolar, N., & Grant P (2010).
Terapia cognitiva da
esquizofrenia. Porto Alegre: Artmed.
2. Green, M. F. (2003)Schizophrenia
revealed: From neurons to social interactions. New York: Norton.
3.
Uma mente brilhante (2001). Direção: Ron Howard. Universal Studios e
DreamWorks. Título original: A Beautiful Mind.
Leonardo Alovisi Martins, Médico Psiquiatra, CRM –
RS 27614.
Passo Fundo – RS, dia 02 janeiro de 2017.