A ansiedade e o medo são estados emocionais que fazem parte de todos os seres humanos e têm como função aumentar a capacidade de adaptação do organismo ao contexto ambiental, protegendo o indivíduo de sua destruição (morte ou nicho social). Enquanto o medo é uma resposta automática a um objeto, situação ou circunstância específica vista como ameaçadora, e está associado a sensações físicas intensas, como taquicardia, frio na barriga, aperto no peito e tensão; a ansiedade é um estado emocional complexo e muito mais prolongado, associado a previsões negativas ou incertas a respeito do futuro. Os transtornos de ansiedade constituem o maior grupo de transtornos mentais na maioria das sociedades ocidentais e são uma das principais causas de incapacidade. Apesar de sua importância para a saúde pública, a grande maioria dos transtornos de ansiedade permanece indetectável e não tratada pelos sistemas de saúde, mesmo em países economicamente avançados (Craske MG, Stein MB, Eley TC, et al 2017). Se não forem tratados, esses distúrbios geralmente são crônicos com sintomas apenas oscilando de intensidade ou indo e vindo ao longo do tempo. O Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) é o transtorno de ansiedade mais clássico e um dos mais comuns visto na prática clínica, ele é crônico e caracterizado por preocupações irreais ou excessivas, os pacientes com TAG têm preocupações diversas: preocupam-se em não serem bons o suficiente, preocupam-se em relação ao dinheiro, em relação à saúde, com os filhos e até mesmo se vão dar conta das tarefas do dia a dia. Esses pacientes engajam-se em ensaios mentais repetidos de possíveis soluções para tentar amenizar a ansiedade sem sucesso. É muito comum, por exemplo, ao deitar, os pacientes serem tomados por um turbilhão de preocupações, no qual um pensamento só desaparece, quando surge outro tão ou mais preocupante que o anterior, até que depois de um tempo, a pessoa capota por exaustão e adormece. Nesses casos, normalmente, o sono não é reparador. A preocupação crônica, mantém esses pacientes em um estado de apreensão e tensão: é como se esses indivíduos vivessem sempre na presença de uma ameaça ou no limite, e, por isso, é comum eles apresentarem insônia, irritabilidade, dificuldade de concentração ou sensação de “branco” na mente, tensão e dores muscular, tremores, dificuldade para relaxar, inquietude, fadiga e cefaleia. Ainda que não faça parte dos critérios diagnósticos, podem estar presentes sintomas de hiperatividade do sistema nervoso autônomo simpático (aquele relacionado com a resposta de luta e fuga), em que diante de uma situação de ameaça, ocorre uma descarga de noradrenalina, causando aumento da frequência cardíaca e respiratória, boca seca, tontura, sintomas gastrointestinais (diarreia ou dificuldade de digestão) e vontade frequente de urinar. No entanto, diferente do que ocorre no ataque de pânico, no qual os sintomas surgem e atingem um ápice em poucos minutos, no TAG eles são mais amenos e constantes. Além disso, pessoas com TAG geralmente preparam-se excessivamente para atividades de desempenho, suprimem atividades de laser, devido ao medo de não cumprir prazos, fazem verificações mentais e buscam reasseguramento para se certificarem de que tudo vai dar certo.PREVALÊNCIA E IMPORTÂNCIA É o transtorno de ansiedade mais comum na prática médica geral, ele tende acometer 3,6% dos homens e 6,6% das mulheres ao longo da vida, é mais comum em pessoas com mais de 24 anos, pois sua frequência aumenta conforme as responsabilidades de vida vão aumentando. Tende a ser crônico, conforme mostrado por Wittchen (2008), que acompanhou jovens com TAG durante 10 anos, e observou que remissões espontâneas são raras, ainda que possa haver períodos de calmaria. São diversos os fatores de risco para o desenvolvimento do TAG, dentre eles, os principais são: o estresse relacionado ao trabalho; desemprego; separação; perda do cônjuge. (Wittchen H-U et al. Artch Gen Psychiatry 1994;51:355). As alterações neurobiológicas do TAG estão relacionadas a disfunções em neurotransmissores, como GABA, serotonina e noradrenalina. Estudos que avaliaram a qualidade de vida desses pacientes mostraram estar equivocada a percepção de que este transtorno seja leve, tanto que aproximadamente 40% das pessoas com TAG vivem dependentes da previdência social, 30% nunca foram casados, 10% fazem abuso de álcool ou drogas e em torno de 14% acabam fazendo alguma tentativa de suicídio. Além disso, 3 em cada 5 pacientes afetados por este transtorno apresentam depressão e o TAG é possivelmente está associado a um maior risco de doenças cardiovasculares. Outras doenças relacionadas ao estresse, como cefaleias, fibromialgia ou síndrome do intestino irritável, costumam acompanhar o diagnóstico do transtorno (Cordioli, 2015). Apesar de tudo isso, apenas um terço dos pacientes com transtornos de ansiedade generalizada procura tratamento psiquiátrico. Muitos vão a clínicos gerais, internistas, cardiologistas, pneumologistas ou gastrenterologistas, procurando tratamento para os sintomas físicos deste transtorno, mas 45% dos casos de TAG , nos serviços de atendimento primário, não são diagnosticados corretamente (Bandelow B et al. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(17):300-9).QUANDO BUSCAR AUXÍLIO A ansiedade é uma emoção inata aos Seres Humanos, por isso, o diagnóstico de TAG sempre é uma questão de intensidade. Então, se sua resposta for sim a várias das perguntas abaixo, você deve procurar ajuda profissional:1. Você tende a se preocupar demais? Sua preocupação é tão intensa que você não consegue relaxar e aproveitar a vida?2. Você fica ansioso diante de situações ou com coisas que a maioria das pessoas não ficaria?3. Quando ansioso, você tende a pensar no pior?4. Quando chega a hora de dormir, sua cabeça é invadida por preocupações?5. Você precisa de medicação para dormir ou para se acalmar?6. Você acha que sua ansiedade pode fazer mal para sua saúde?7. Você tem tido dor de cabeça, diarreia ou dificuldade de digestão, tremores, cansaço ou dor muscular?8. Você tem se sentido esgotado, como se estivesse no limite?9. Você evita ou protela atividades porque acha que elas vão lhe deixar ansioso?10. Sua ansiedade e preocupação estão presentes há vários meses? 11. A ansiedade e preocupação interferem com sua capacidade de concentração?DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Outras condições médicas gerais, como hipertiroidismo, podem apresentar sintomas similares ao TAG, o quadro de ansiedade generalizada deve ser também diferenciado de outras condições psiquiátricas como TDAH (sintomas de inquietude são parecidos em ambas as condições), transtorno bipolar (o pensamento acelerado pode estar presente em ambas condições), assim como do transtorno depressivo (ambos podem apresentar fadiga, dificuldade de concentração e alteração do sono). TRATAMENTO O tratamento medicamentoso e psicoterápico produz uma melhora de aproximadamente 60% dos sintomas, provavelmente o resultado é mais significativo ainda quando se associa as duas formas de tratamento. Importante salientar que tratar o TAG vai além dos benefícios diretos da redução dos sintomas de ansiedade e preocupação, previne também o desenvolvimento de depressão, pois, aproximadamente, 4 de cada 5 quadros depressivos evoluem a partir de um quadro de ansiedade. O tratamento dos transtornos de ansiedade também previne o abuso de substâncias. TRATAMENTO PSICOTERÁPICO: as psicoterapias são formas de tratamento que utilizam a comunicação e o relacionamento sistematizado entre o terapeuta e o paciente com o objetivo de o paciente conseguir identificar, entender e dar sentidos aos seus conflitos, corrigir as distorções nas percepções que faz de si mesmo, do meio que o cerca e do seu futuro, melhorar as relações interpessoais e seus sintomas de uma forma geral. Existem várias formas de psicoterapia, mas a mais efetiva e mais estudada no tratamento do TAG é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). O principal foco da TCC no tratamento do TAG é reduzir a frequência, a intensidade e a duração dos episódios de preocupação o que levaria a diminuição associada dos pensamentos automáticos intrusivos ansiogênicos e dos sintomas da ansiedade generalizada. Esse objetivo será atingido modificando as avaliações e crenças disfuncionais, bem como as estratégias mal-adaptativas de controle responsáveis pela preocupação crônica. O tratamento bem sucedido transformará a preocupação disfuncional usada como estratégia evitativa de enfrentamento patológica em um processo construtivo orientado ao problema, mais controlado, no qual a pessoa ansiosa é mais tolerante ao risco e a incerteza. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO: os ansiolíticos do tipo benzodiazepínicos (Clonazepam, Diazepam, Bromazepam, etc…) que surgiram nos anos 60 foram os primeiros medicamentos que se provaram eficazes no tratamento da ansiedade. Eles têm como vantagem o início rápido de ação (se não melhorar nos primeiros dias, não vai melhorar), melhoram concomitantemente o sono e possuem poucos efeitos adversos perigosos. Por outro lado, eles têm algumas desvantagens significativas que têm sido cada vez mais percebidas, como toxidade para o SNC, gerando sintomas como pseudodepressão, sedação e fadiga, prejuízo no desempenho psicomotor, memória e atenção, agravamento da irritabilidade e potencializam os efeitos do álcool. Ao se interromper estes medicamentos, após uso de longo prazo, é comum aparecer sintomas de abstinência ou de rebote. Além disso, esses medicamentos não têm ação sobre os sintomas depressivos e não tiveram sua eficácia comprovada a longo prazo. Ao longo dos anos 70, ficou claro que se precisava de um medicamento alternativo aos ansiolíticos benzodiazepínicos. Então, surgiu a Buspirona, uma opção farmacológica que atua em uma parte específica do neurônio serotoninérgico, estimulando os receptores 5HT1A, ela tem como vantagem, comparada com os BZD, a ausência do risco de dependência. No entanto, ela demora mais tempo para agir e assim como aqueles ela não tem efeito antidepressivo. Essa medicação tem sido cada vez menos prescrita porque não se mostrou eficaz em diversos estudos clínicos. Mas, ainda é usada em casos refratários em associação com outras estratégias de tratamento. Devido às limitações dos tratamentos anteriores, no final da década de 80, surgiu o primeiro estudo comparando o Alprazolam (ansiolítico BZD) com a Imipramina (um dos primeiros antidepressivos, que faz parte da classe dos antidepressivos tricíclicos). Nesse estudo, observou-se que o antidepressivo Imipramina foi mais eficaz para reduzir os sintomas psíquicos da ansiedade, como o pensamento negativo e a irritabilidade, no entanto, não foi tão efetivo quanto o Alprazolam para reduzir os efeitos somáticos da ansiedade. A partir desses dados, o autor comentou que pacientes com sintomas como preocupação crônica, ou com medo de relações interpessoais e com forte tendência a ruminação responderiam melhor ao tratamento antidepressivo (Hoen-Saric R, et al. J Clin Psychiatry. 1988; 49 : 293 a 301). O problema era que a Imipramina tinha muitos efeitos colaterais somáticos, o que acabava dificultando o uso em pacientes com muitos sintomas físicos. Então, somente após o surgimento de novos antidepressivos em 1987, os chamados antidepressivos inibidores específicos da recaptação da serotonina (antidepressivos ISRS), que são bem mais tolerados, é que os antidepressivos se tornaram os medicamentos mais utilizados no tratamento da ansiedade generalizada. Os antidepressivos duais, como a Venlafaxina e a Duloxetina, também têm eficácia comprovada no TAG, assim como a Agomelatina, um antidepressivo com um sistema misto de ação. Se o paciente não apresenta melhora em até 6 semanas, é improvável que o medicamento vá ser eficaz (Cordioli, 2015), por isso, após esse período, o paciente deve voltar ao psiquiatra para revisar o tratamento inicial. A Pregabalina medicamento utilizado para tratar a dor crônica e como coadjuvante do tratamento da epilepsia foi recentemente incorporada no arsenal dos tratamentos para ansiedade generalizada. O medicamento tem como vantagem a ausência de efeitos adversos sexuais, mas não possui efeito antidepressivo e pode ser um pouco sedativa para alguns pacientes. Estudo realizado por pesquisadores Canadenses (2007) para avaliar a eficácia de fitoterápicos, como o Extratos de Centella asiática ou Valeriana mostrou que estes dois extratos aumentaram/intensificaram a gravidade do TAG, quando ingeridos na quantidade de 1mg/mL, enquanto a camomila alemã mostrou algum benefício, quando ingerida na dose de 0,11 a 0,65mg/mL. Tratamentos alternativos (incluindo homeopatia e kawa-kawa) apresentaram os piores resultados dentre todos os tratamentos disponíveis para o TAG, por outro lado, existem algumas evidências iniciais de que a redução diária de cafeína, álcool e nicotina, bem como a prática de meditação (mindfulness), com relaxamento, exercícios físicos e respiratórios (ioga e tai-chi) podem ser benéficas (Cordioli, 2015) Por fim, deve-se ter em mente que o diagnóstico do TAG é complexo, tendo em vista, que ele compartilha sintomas comuns a outros transtornos mentais e muitas vezes apresenta-se comórbido a outras condições psiquiátricas, e que uma parcela significativa de pacientes não respondem a primeira estratégia de tratamento, por isso, o psiquiatra é o profissional ideal para o diagnóstico e tratamento deste transtorno. Leonardo Alovisi Martins, Médico Psiquiatra, CRM 27.614, Pós Graduado Pós Graduado em Terapia Cognitivo-Comportamental.Passo Fundo – RS, dia 31 de julho de 2018. E-mail para contato: leonardo@martinspsiquiatria.com.brREFERÊNCIASAmerican Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition. Arlington, VA, American Psychiatric Association, 2013.Award R, Levac D, Cybulska P, Merali Z, Trudeau VL, Arnason JT. Effects of traditionally used anxiolytic botanicals on enzymes of the γ-aminobutyric acid (GABA) system. Canadian Journal of Physiology and Pharmacology, 2007, 85(9): 933-942, https://doi.org/10.1139/Y07-083Bandelow B, Berner JR, Kasper S, Linden M, Wittchen H-U, Moeller HJ. The diagnosis and treatment of generalized anxiety disorder. Dtsch Arztebl Int. 2013;110(17):300-9.Clark D, Beck A. Terapia Cognitiva para os Transtornos de Ansiedade. Porto Alegre : Artmed, 2012. Cordioli A. PSICOFÁRMACOS CONSULTA RÁPIDA. 5° Edição – Porto Alegre: Artmed, 2015, SEÇÃO 2; 553-561.Craske MG, Stein MB, Treating Anxiety in 2017 Optimizing Care to Improve Outcomes JAMA July 18, 2017 Volume 318, Number 3. Craske MG, Stein MB, Eley TC, et al. Anxiety disorders. Nat Rev Dis Primers. 2017;3:17024.Hoehn-Saric R, Macleod DR, Zimmerli WD. Diffrential effects of Alprazolam and Imipramine in generalized anxiety disorder: somatic versus psychic symptoms. J Clin Psychiatry. 1988; 49:293-301. Wittchen H-U et al. DSM-III-R generalized anxiety disorder in the National Comorbidity Survey. Artch Gen Psychiatry 1994;51:355-364.V Curso de Clínica Psiquiátrica. Aula de Transtorno de Ansiedade Generalizada, ministrada pelo Dr. Márcio Antonini Bernik. Manole educação, 2017.
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